O modelo extra-escultural

Miguel Leal


Comunicação apresentada no I Ciclo de Conferências Margens e Confluências, que se realizou em Abril de 1998 na cidade de Guimarães. Encontra-se publicada no nº1 (Junho de 2000) da revista Margens e Confluências: um olhar contemporâneo sobre as artes, editada pela ESAP-Extensão de Guimarães.

1. Duas apropriações

Como introdução a esta comunicação, e antes mesmo de desenvolver as suas questões centrais, gostaria de começar por lançar duas notas mais ou menos avulsas que, sugeridas cada uma pela sua imagem, poderão ajudar a definir o campo de heterodoxia em que se movem as contestações aos modelos de confinamento disciplinar:

Fig. 1 - António Areal, Caixa nº6: Em cima, um arquétipo divino com atributos iconograficamente formulados, 1969.
Caixa de madeira pintada com face em vidro (colecção do CAMJAP da FCG, Lisboa).

(a) Em primeiro lugar, escolhi esta imagem de um trabalho de António Areal [fig.1], apresentado em 1969 na Galeria Quadrante, em Lisboa, porque me pareceu interessante recorrer a um exemplo atípico. É que estarei provavelmente a fazer uma apropriação abusiva desta obra, mas, como afirmava Foucault, "deve-se conceber o discurso como uma violência que fazemos às coisas, como uma prática que lhes impômos". E o desvio que eu proponho desta obra de António Areal inscreve-se exactamente nessa ordem de ideias.

Para aquilo de que nos vamos ocupar por agora interessa-me não tanto o universo particular em que se move esta obra, mas antes aquilo que o seu vazio objectual nos pode oferecer. Se olharmos atentamente esta caixa acabaremos por considerá-la um objecto, parte do nosso mundo fenomenológico, mas distante daquilo que esperariamos de um objecto de arte, na medida em que ela se apresenta simplesmente como receptáculo e local para as nossas próprias projecções. Areal refere-se a esses objectos como «continentes» projectivos, chamando-lhes também, num texto que acompanhava a exposição (1), caixas vazias de objectos ou, ainda, caixas-conteúdos.
Foram apresentadas na altura um total de dez caixas legendadas, mas nem todas totalmente vazias (2). A uma delas correspondia a seguinte legenda (3):

Objecto muito circunstancial, figurando uma caixa na parede da Galeria Quadrante em Lisboa. Em redor pode ver-se a galeria.(4)

É esta frase, mais do que o próprio objecto, que acaba por remeter para a negação da autonomia do objecto artístico e para a integração do espaço envolvente na obra. Consegue-o ao ancorar o objecto a um determinado espaço (a Galeria Quadrante em Lisboa), amputando assim a obra quando apresentada em diferentes circunstâncias, rementendo simultaneamente para o espectador pela sugestão de envolvimento e pelo convite à participação. Repito que se trata aqui de um desvio deste trabalho para servir uma intenção declarada, já que para Areal este vazio objectual servia antes como primeiro plano do transcendente. O que lhe interessava era a possibilidade de instauração metafísica da obra, e não a sua relação com o mundo físico envolvente ou a negação de uma arte fechada sobre si mesma (5) . Mas, por outro lado, não remetia já uma parte da obra de António Areal para uma "situação assaz ambígua entre o espaço tradicionalmente «pictórico» e o espaço «escultórico»" (6)? E não poderá ser igualmente utilizada para situar a discussão sobre a recuperação de certas atitudes ligadas a uma ideia de vanguarda (7), ainda para mais mantendo um fio condutor que a liga à tradição surrealista em Portugal? Sendo assim, o desvio proposto talvez não se revele tão herético quanto isso.

Fig. 2 - Jackon Pollock em trabalho no estúdio, 1950 (fot. de Hans Namuth).

(b) Agora, partindo de uma outra imagem [fig.2], em que vemos Jackson Pollock no seu estúdio, numa fotografia realizada em 1950 por Hans Namuth, gostaria de introduzir um texto de Allan Kaprow, a quem é atribuída a paternidade do Happening e respectivos desenvolvimentos.
Esse texto, de 1958, intitulado The Legacy of Jackson Pollock (8), para além de ser o primeiro realmente importante de Kaprow, demarca um território de acção onde o processo se sobrepõe à obra acabada, o transitório ao perene e onde à pretensa instantaneidade da recepção se opõe a dimensão temporal e
fenomenológica. Como iremos ver mais à frente, ao declarar que nem todos os desenvolvimentos da arte moderna resultaram necessariamente em ideias ligadas a princípios de finalidade, e lembrando que Pollock poderá ter criado magníficas pinturas mas que em certa medida terá contribuído para a destruição da própria pintura (9), Kaprow está exactamente a atacar alguns dos pressupostos básicos do confinamento disciplinar. O que ele acaba por destacar na obra de Pollock é o seu carácter diarístico e ritual, isto é, o seu lado performativo e processual. O facto de Pollock trabalhar literalmente dentro da obra, colocada num plano horizontal, permitindo uma total identificação do espectador com o corpo do artista através das marcas processuais, levaria a que o artista, o espectador, e o mundo exterior entrassem em completa interacção nessas pinturas (10). Esta ideia parece particularmente acutilante se procurarmos estabelecer um arco relacional com algumas das principais aporias da vanguarda que discutimos ao longo do primeiro capítulo e que virão a tornar-se um eixo condutor do enquadramento conceptual deste trabalho.
A pintura de Pollock também teria conseguido uma libertação da ideia usual de forma, isto é, de um todo com princípio, meio e fim — "anywhere is everywhere, and we dip in and out when and where we can" (11). A constatação de que estas obras parecem desenvolver-se infinitamente sugere uma anulação dos limites convencionais do campo rectangular associado à pintura, negando-se assim a divisão tradicional entre o mundo do artista (fechado fisicamente no interior da obra) e o mundo do espectador e da realidade envolvente. Tudo isto, conjugado com o importante factor da escala, permite que as pinturas de Pollock tenham deixado de o ser para se tornarem puros envolvimentos ambientes ("environments"). E, numa alusão à incompletude da obra, deixaríamos desse modo de ser espectadores para nos tornarmos participantes (12).
Esta reclamação da herança de um artista como Pollock (para além da mitificação — muito americana — que uma morte prematura e trágica sempre provoca) parece revelar até que ponto uma certa heterodoxia analítica permite jogar com as ambiguidades disciplinares em que as categorias artísticas, muito em especial no campo da pintura, se vinham enredando desde há longo tempo.
A geração de Kaprow (13), ao defender uma arte assumidamente baseada no processo e na contingência, numa contaminação entre as artes e entre a arte e a vida, recorreu amiúde a essa figura emblemática para procurar estabelecer uma genealogia endógena (o outro percurso genealógico possível entranhando-se no próprio quotidiano da vida moderna, à imagem das vanguardas do início do século). Tratava-se ainda da velha luta vanguardista contra a tradição, representada aqui pelo confinamento disciplinar de que a pintura era o exemplo maior. Não deixa de ser interessante verificar como a geração que marcaria decisivamente os anos 60 é composta por um número significativo de artistas com uma formação de pintores. Uma boa parte deles viriam então a revelar-se "desertores das fileiras da pintura", como foram os casos de Dan Flavin, Donald Judd, Sol LeWitt ou mesmo Robert Morris (14). E mesmo aqueles que escolheram trabalhar ainda dentro dos limites possíveis da pintura, como Rauchenberg, fizeram-no destruindo (condicional ou incondicionalmente) a integridade das fronteiras disciplinares que lhe eram comummente atribuídas.
No fundo, mais do que o mero apelo ao processual e ao contingente e à integração do espectador na obra, o objectivo de Kaprow era a reclamação da possível fusão entre arte e vida, e que essa aporia seria resolvida através de uma premonição:

Young artists of today need no longer say, "I am a painter" or "a poet" or "a dancer". They are simply "artists". All of life will be open to them. They will discover out of ordinary things the meaning of ordinariness. They will not try to make them extraordinary but will only state their real meaning. But out of nothing they will devise the extraordinary and then maybe nothingness as well. People will be delighted or horrified, critics will be confused or amused, but these, I am certain, will be the alchemies of the 1960's. (15)

Estas alquimias, que se viriam sem dúvida a confirmar, prolongam-se muito para lá do horizonte temporal da década de sessenta, e, mais do que isso, representam um fluxo subterrâneo que encontra como palco todo o século XX, e a sua maior visibilidade a partir dessa década depende apenas da sua conversão numa corrente maioritária e em vias de aceitação e institucionalização.

Assim, depois destes dois parênteses introdutórios, o primeiro devedor do fascínio que aquelas caixas vazias sempre exerceram sobre mim, o segundo da importância dos conceitos introduzidos por Kaprow: a ideia de performatividade e teatralização da arte e a vontade totalizadora de fusão entre a vida e a arte — questões características duma vontade concretizadora da utopia vanguardista da interactividade e da negação da automia da arte —, procurar-se-á então lugar para uma discussão do conceito que, à falta de melhor, designarei aqui como modelo extra-escultural (16). Este termo contém em si mesmo os germes da contradição, remetendo para um posicionamento exterior ao campo escultural e, por outro lado, não deixando de manter um relacionamento umbilical com aquilo que parece ser o seu objecto de negação.
Como o próprio termo indica, pretende-se delimitar um conjunto de práticas artísticas que já não sendo estritamente escultura, funcionam ainda nas suas margens; isto é, e seguindo a delimitação proposta na introdução a este trabalho, tomando sempre como referência constitutiva o modelo escultural — uma categoria algo complexa — sem contudo deixar de se lhe opôr. Assim, é-lhe inerente uma certa negatividade, já que imediatamente remete para uma aparente definição por oposição. Ora, não é exactamente disso que se trata mas antes da análise de um conjunto de fenómenos que se colocam nesse espaço intersticial que resulta de uma negatividade por contacto — um pouco como no fabrico de um qualquer molde. Por razões metodológicas óbvias ficaremos sempre na proximidade dessa linha de fronteira entre o escultural e o não-escultural, escapando assim a um alargamento incontrolável do campo de análise.
Neste comunicação, tentarei, ainda que sob uma forma mais ou menos esquemática, distinguir os dois momentos que marcam a afirmação deste modelo e que poderemos designar através de outros tantos termos que se opõem e completam: desmembramento e reconstrução, entendendo o primeiro na literalidade do seu significado — o desmantelamento do modelo escultural constitutivo —, e o segundo como resultado da redefinição normativa das fronteiras estilhaçadas, na medida em que seja possível uma tão grande sistematização.
Pelo meio ficará ainda a ideia de desmaterialização do objecto artístico, conceito tão controverso (e contraditório, mas simultaneamente usado em profusão) que terá contribuído como poucos para o exacto desvanecimento não só do objecto de arte mas também do conjunto de normas e modelos que sustentavam de algum modo a prática artística.
Refiro-me então a todo o processo de construção do paradigma, pois esse modelo extra-escultural ter-se-á guindado exactamente a essa condição e, hoje, os conceitos que envolve encontram-se perfeitamente assimilados. O olhar que possamos lançar retrospectivamente sobre esses acontecimentos não deixará nunca de estar condicionado por aquilo que aconteceu depois, especialmente se verificarmos que, sob um modelo reconstrutivo e por vezes algo distanciado, muitas destas questões tem sido implacavelmente recuperadas e reavaliadas por algumas das mais interessantes propostas da contemporaneidade.
Aquilo que se propõe é um recuo (anos 60/70) para análise do processo dessa assimilação, quando ainda era possível falar, mesmo que de forma limitada, de transgressão de um modelo, de uma norma. Nesse recuo, e mesmo arriscando o carácter redutor de qualquer classificação, gostaria de pensar o momento — o tal primeiro tempo — do desmembramento do conceito de escultura como ligado intimamente à arte dos anos 60, muito em especial ao minimalismo e depois ao chamado pós-minimalismo; e associar a ideia de reconstrução — o segundo tempo — à fixação de um novo modelo, de um novo paradigma (ou paradigmas), que se teria efectuado de um modo extensivo ao longo da década de 70. Para isso escolhi dois textos que se podem considerar incontornáveis neste caso, o que nos permite pensar também sobre a importância que tomam os próprios discursos que envolvem a arte, numa lógica de retroversões constantes entre a prática e a teoria artísticas. São eles "Art and Objecthood" (17) de Michael Fried, publicado em 1967 na Artforum, e "Sculpture in Expanded Field" (18) de Rosalind Krauss, um texto de 1979. Com este recurso à teoria da arte não quero procurar nenhuma análise ad litteram mas antes, e porque é disso que se trata, procurar compreender os mecanismos de assimilação e transformação em norma de comportamentos aparentemente desviantes.


2. A teatralização das artes

Começando com o texto de Michael Fried, não deixa de ser curioso que, apesar da inevitabilidade da escolha, "Art and Objecthood" tenha surgido como um dos ataques mais ferozes ao minimalismo e que os principais argumentos que aí são usados para denegrir a obra dum conjunto de então jovens artistas sirvam igualmente para definir com propriedade as suas principais preocupações. Como Hal Foster muito bem assinalou, Fried é um excelente crítico do minimalismo especialmente porque para ser persuasivo na sua argumentação foi obrigado a compreendê-lo (19).
Logo no início do seu texto Fried afirma que o minimalismo é um empreendimento largamente ideológico e que deseja ocupar um espaço em dupla relação com a pintura e a escultura modernistas, mas procurando simultaneamente estabelecer um território próprio e em oposição a estas duas (20). Esta ideia, em parte contrária a muitas das análises que lhe foram dedicadas, que o consideram normalmente não-ideológico, marcado pela negação do conteúdo e pela exaltação da forma, confirma desde logo duas questões fundamentais: por um lado a percepção da sua ameaça aos cânones modernistas e, por outro, a sua intenção de marcar uma posição clara, passível de ser formulada em palavras (21). Aliás, o que ela acaba também por contestar é a própria pretensão dos artistas a terem uma voz, a demarcarem um território de acção através da escrita. Art and Objecthood surge então como uma resposta directa não apenas aos objectos minimalistas mas também aos escritos publicados por Donald Judd (22) (Specific Objects) e Robert Morris (23) (Notes on Sculpture).

Tal como Judd já tinha feito na abertura do seu texto intitulado Specific Objects, Fried constata que o minimalismo define-se por oposição às disciplinas tradicionais da escultura e da pintura, colocando-se num espaço algures entre elas. Expõe-se assim, através desta posição ambígua relativamente ao instrumento de controlo do discurso (24) que são as disciplinas artísticas, a contaminação do minimalismo por elementos estranhos ao campo mais restrito da arte, e em particular da arte modernista.
É certo que haveria diferenças substanciais no posicionamento desses artistas relativamente à pintura e à escultura: enquanto que face à primeira o sentimento seria essencialmente de oposição, numa tomada de consciência da sua eminente exaustão, perante a escultura o posicionamento seria um pouco mais ambíguo, propondo o próprio Morris uma espécie de reconstrução interna (25). Fried acaba por destacar a importância dada por ambos (Judd e Morris) à forma (shape), partindo dessa problemática para lembrar a sua atribuição central para a pintura modernista, reafirmando contudo que esta (a forma) não pode deixar de ser eminentemente pictórica sob risco de se tornar meramente objectual, ou literal:

What is at stake in this conflit is whether the paintings or objects in question are experienced as paintings or as objects [...]. Otherwhise they are experienced as nothing more than objects. This can be summed up by saying that modernist painting has come to find it imperative that it defeat or suspend its own objecthood, and that the crucial factor in this understanding is shape, but shape must belong to painting — it must be pictorial, not, or not merely, literal. Whereas literalist art stakes everything on shape as a given property of objects, if not, indeed, as a kind of object in its own right. (26)

A arte literalista teria então como maior pecado a redução da obra à sua mera objectualidade que a entranharia assim no tecido da realidade puramente fenomenológica, quando uma das suas características essenciais deveria ser exactamente o facto de recusar a banalidade da mera existência objectual. Esta linha de pensamento tem como referência os escritos de Clement Greenberg, que é de certo modo um pai fundador das teorias de Fried, e levanta já não apenas o problema das fronteiras entre as disciplinas artísticas, mas sobretudo o das relações antitéticas que se possam estabelecer com a própria arte.
Greenberg, em Recenteness of Sculpture (27), já levantava essa mesma questão e colocava-a também no plano de um confronto desigual entre a pintura e a escultura:

Given that the initial look of non-art was no longer available to painting, since even an unpainted canvas now stated itself as a picture, the borderline between art and non-art had to be sought in the three-dimensional, where sculpture was, and where everything material that was not art also was
. (28)

O problema não era saber da oposição dos minimalistas à pintura, mas antes reafirmar que a sua opção pelo tridimensional advinha de essa ser uma qualidade partilhável com tudo aquilo que não é arte. Assim, Greenberg propunha nesse mesmo texto, e numa passagem também recuperada por Fried, que as obras minimalistas eram arte como o era então virtualmente qualquer objecto, e que dificilmente se poderia pensar um tipo de arte mais próximo da condição da não-arte. Seria essa a verdadeira traição estética do minimalismo: o facto das suas obras apenas criarem surpresa enquanto meros fenómenos (29).
Fried parte dessa proposição para encontrar os motivos que levam o minimalismo a colocar-se nessa posição antitética à arte. A tese central do seu texto baseia-se pois na acusação de teatralização da arte operada pelo minimalismo, ou arte literalista, como ele preferia chamar-lhe. A objectualidade minimalista não seria mais do que um novo género de teatro e o teatro uma negação da arte (30). Isto permite-lhe avançar a ideia de que essa teatralidade está intimamente ligada às circunstâncias em que o espectador encontra a obra: "the experience of literalist art is of an object in a situation — one that, virtually by definition, includes the beholder" (31). O próprio Morris tinha já deixado isso bem claro em Notes on Sculpture - Part 2 ao analisar as questões de escala que lhe pareciam essenciais para que o espaço circundante e o "espectador" pudessem ser integrados na obra, construindo assim uma situação extensiva capaz de criar estímulos corporais vários (32).
O dualismo proposto por Fried fundamenta-se então numa clara reprovação de tudo aquilo que se coloca num posicionamento ambíguo relativamente às fronteiras disciplinares, pois o que fica entre as artes é teatro e só dentro das artes individuais seria possível falar dos conceitos de qualidade e valor . A sobrevivência das artes dependeria até da sua capacidade para derrotar a sensibilidade teatral que as condena à descaracterização e que lhes é inerentemente hostil. No fundo, é ainda a velha questão levantada por Lessing no seu Laocoön (34) e que respeita à tentativa de definir de um modo claro a pureza e a autonomia de cada uma das artes pensadas individualmente (35).
Essa sensibilidade teatral do minimalismo resultou então duma preocupação com as circunstâncias reais, fenomenológicas, em que o espectador encontra a obra de arte e, desde logo, com a própria duração da experiência. O possível contraponto a esta relação com o tempo seria a instantaneidade, a presença perpétua da obra de arte modernista. Assim, teríamos de um lado uma objectualidade comparável à banalidade do quotidiano e do outro uma ausência de duração, uma suspensão da realidade capaz de se apresentar como um momento excepcional (36).
Ora bem, se Fried foi extremamente metódico e perspicaz na sua caracterização do minimalismo também se mostrou incapaz de compreender que, genericamente, aquilo que se tornou o eixo central da sua acusação — a existência de um conflito irreconciliável entre a pretensa pureza da pintura e da escultura modernistas e a teatralidade do minimalismo, entre uma arte e uma não-arte —, não seria propriamente depreciativo mas antes uma recondução das aporias vanguardistas que ele propositadamente ignora na sua argumentação (37). Se o conflito existe ele não se pode colocar de um modo maniqueísta, como se as propostas do minimalismo fossem uma mera negação da arte quando, parece claro, elas são antes uma afirmação da sua vitalidade e capacidade de reconstrução a partir do seu próprio interior, mesmo se esse processo é levado a cabo às custas da erosão do edifício artístico.
O minimalismo anuncia então um campo aberto para a actividade artística, consubstanciando exactamente uma abertura ao mundo, um posicionamento disciplinar híbrido e, paralelamente ao apagamento progressivo do autor, a atribuição de um papel fundamental ao espectador na construção da obra, ou seja, recuperando uma série de mitos associados à própria ideia de vanguarda.


3. O confinamento disciplinar

Mas qual é então a verdadeira raiz do que é posto em causa pelo minimalismo e que Fried entendeu, em certa medida correctamente, como um perigo real para os modelos herdados do modernismo? Qual é essa natureza que torna herética e desviante em plenos anos sessenta uma prática artística conduzida nos limites do desafio, mas que responde apesar de tudo às estruturas do sistema das artes?
Michael Foucault, num belíssimo texto resultante da sua aula inaugural no Collége de France (1970) (38), apontou metodicamente algumas pistas que nos poderão servir para esboçar uma resposta àquelas questões. A tese de Foucault passa pela identificação dos mecanismos de controlo do discurso e pela respectiva apresentação de alternativas desviantes. A dado momento enumera um conjunto de dispositivos que designa por mecanismos internos de delimitação e controle do discurso (39), e são estes mecanismos de submissão do acontecimento e do acaso que nos interessa recuperar para este trabalho.
Esses procedimentos são divisíveis em três categorias distintas: o comentário; o autor; as disciplinas. Embora a interpenetração destas categorias seja intensa e pudesse ser interessante pensar igualmente o papel das duas primeiras para o problema em análise, será a partir da terceira, por razões essencialmente metodológicas, que irei procurar fazer uma transposição para o domínio mais restrito desenhado pelos modelos extra-disciplinares no campo da arte.
Apesar do relativo desvio de sentido, não me parece difícil entender a arte como um discurso per si, sujeita a mecanismos (internos, para o que nos interessa aqui) de controle. As disciplinas artísticas, apesar das suas características próprias, poderiam muito bem responder à seguinte afirmação: "[...] uma disciplina define-se por um um domínio de objectos, um conjunto de métodos, um corpus de proposições consideradas verdadeiras, um jogo de regras e de definições, de técnicas e de instrumentos" (40). Nessa medida, a pintura, a escultura, etc., não seriam mais do que um corpo aglutinador montado através de um conjunto próprio de regras e proposições.
Se tentarmos um abordagem mais sociológica, recorrendo a Pierre Bourdieu, podemos igualmente pensar até que ponto as fronteiras e as hierarquias presentes no interior do campo da arte acabam em grande parte por servir essencialmente a defesa das posições e poderes instituídos. "Definir as fronteiras, defendê-las, controlar as entradas, é defender a ordem estabelecida no campo" (41). Mas, simultaneamente, sempre que essa ordem estabelecida procura reagir às ameaças que lhe são dirigidas acaba igualmente por lhes reconhecer o direito de existência e o efeito real que elas exercem sobre o campo, porque "produzir efeitos no interior de um campo é já existir nele, ainda que os efeitos em causa sejam simples reacções de resistência ou de exclusão" (42). E a oposição de Fried, procurando colocar a prática artística dos minimalistas fora do campo restrito da arte, e em particular da escultura, é já um sintoma da sua existência real dentro desse campo.
Essa resistência que parte muitas vezes do interior do próprio sistema revela curiosos modelos de construção e reconstrução constantes dos paradigmas e das referências mais ou menos retrospectivas que se foram impondo ao longo deste século. E, realmente, se analisarmos também a história da escultura moderna e as modalidades do seu acolhimento, como propõe Benjamin H.D. Buchloch (43), poderemos verificar de que modo a própria construção dessa história obedece a um modelo pouco elástico:

Il semble que l'histoire de la sculpture moderne soit justement celle des transgressions de toutes ces limites. Mais chaque fois que la transgression semblait conduire trop prés du modèle extra-sculptural, l'histoire de la sculpture (c'est-à-dire les modalités de son accueil, l'élaboration et enregistrement de ses normes) esquivait ces atteintes au particularisme et se préservait aussi longtemps que possible de cette sorte d'éclatement.

A história da escultura a que se refere Buchloch revela as dificuldades do campo artístico em aceitar as práticas que escapam às regras e modalidades estabelecidas para uma dada disciplina e remete de imediato para as teorias da pureza de cada medium artístico pensado individualmente. As resistências e omissões relatadas e analisadas por Buchloch centram-se todas num critério de exclusão que deriva das dificuldades de uma grande parte dos historiadores da escultura em lidarem com essas práticas (como os objectos Dada, Surrealistas ou Construtivistas) demasiado escorregadias para o modelo escultural instituído (44). O desafio era essencialmente dirigido a duas linhas divisórias diferentes: por um lado, às fronteiras desenhadas entre as diferentes disciplinas artísticas; e, por outro, às próprias distinções entre arte e não-arte, como já tivemos oportunidade de ver.
Terá sido com base em argumentos defensivos relativamente a esses desvios que uma boa parte do trabalho crítico de um autor como Clement Greenberg se desenvolveu — um percurso que, à semelhança de Fried, poderia ser descrito como uma prática de resistência e de procura de um edifício teórico capaz de sustentar, pelo menos no que respeita a estas questões, uma determinada inércia.
Central para todo esse dispositivo, a noção de pureza associada a cada um dos mediums artísticos foi extensamente desenvolvida num texto de 1940 (45) por Greenberg. Desde logo o título — Towards a Newer Laocoön — remete para o já referido texto referencial de Lessing, e procura delimitar o problema central do ensaio: são os limites existentes entre as diversas artes uma condição essencial para a definição de um conjunto de qualidades internas fundamentais à sua sobrevivência? A resposta para o autor é obviamente positiva e passa pela defesa das qualidades próprias de cada arte, ou seja, dos meios que lhe são inerentes (o que foi, como vimos, recuperado mais de duas décadas depois por Fried para Art and Objecthood). Assim, a "confusão entre as artes", um facto inegável, teria leado ao que Greenberg designa como uma salutar reacção contra os erros da pintura e da escultura cometidos ao longo dos últimos séculos, o que obrigaria a uma reflexão aturada sobre os reais limites de cada uma delas (46). Greenberg sustenta que cada arte deverá trabalhar com aquilo que lhe é único e irredutível, reduzindo asim o seu raio de acção mas encontrando nesse grau atingido de pureza as bases para a definição da sua qualidade intrínseca e independência (47) .
A noção de pureza, alicerçada na definição dos limites seguros das "fronteiras legítimas" de cada uma das artes, é fundamental para entendermos a dimensão do desafio que Fried encontrou nas propostas do minimalismo. Se para Greenberg a recuperação da identidade de uma arte depende da procura daquilo que lhe é único, e se a pureza em arte consiste na aceitação desses mesmos limites como uma qualidade intrínseca (48), então todo o entorno do minimalismo representava uma ameaça real para esse edifício artístico baseado numa recusa da contaminação.
E, no caso particular da escultura, qual seriam essas características próprias do medium que o modernismo teria delimitado como nunca antes na história da arte? (49) Na introdução ao seu livro Passages in Modern Sculpture (50), Rosalind Krauss procura em certa medida anunciar a resposta a essa questão. Partindo exactamente de Lessing, e depois de constatar que a definição daquilo que é ou não é uma obra de escultura se terá tornado extremamente problemático ao longo dos últimos anos, lembra a clara separação apresentada por esse autor entre a essência da escultura — que seria o espaço — e, por exemplo, o medium por excelência da poesia — o tempo. Daí a noção de imediatidade na recepção defendida por Greenberg e Fried para a pintura e a escultura ("presentness is grace"), e a sua recusa de uma cooptação por parte da escultura de meios e processos exógenos, sob risco de uma perda da pureza entretanto conquistada (51).
Krauss procurava já uma reconstrução do modelo e contrapunha a essa "oposição natural entre uma arte do tempo e uma arte do espaço", que se teria imposto essencialmente a partir dos anos trinta como um característica única da escultura, a necessidade de repensar a escultura moderna aliando os conceitos de espaço e de tempo:

One of the striking aspects of modern sculpture is the way in which it manifests its makers' growing awareness that sculpture is a medium peculiarly located at the juncture between stillness and motion, time arrested and time passing. From this tension, which defines the very condition of sculpture, comes its enormous expressive power. (52)

Era já uma tentativa de adaptar o modelo à prática, em resultado do carácter fugidio que esta teria tomado. Trata-se de algo semelhante ao que Foucault também refere no seu texto como sendo a reacção à inscrição da prática em horizontes teóricos exteriores aos modelos instituídos, e, de facto, Krauss procura responder claramente à ideia de que uma prática nova "pede novos instrumentos conceptuais e novos fundamentos teóricos" (53), iniciando desse modo um processo de reajustamento das fronteiras até então estabelecidas. Mas, ao mesmo tempo que escapa à condenação herética proposta por Fried, trabalha ainda numa lógica de policiamento do discurso, como teremos oportunidade de ver mais à frente.
Concluindo, sendo verdade que "a disciplina é um princípio de controlo da produção do discurso, também é exacto que a sua identidade está sujeita a um jogo de "reactualização permanente das regras" (54), e, normalmente, esse reajuste é impulsionado pela própria prática, pelo acontecimento que recusa a indexação ao modelo transitoriamente vigente e não de modo inverso.


4. Um campo aberto de possibilidades

Em 1979, com Sculpture in the Expanded Field, num momento em que o paradigma já estava radicalmente alterado mas não suficientemente discutido ou fixado no campo da exegese, Krauss dedicou-se exactamente a estabelecer um grupo de categorias que pretendiam estruturar todo um novo conjunto de práticas artísticas que se abrigavam ainda sob a designação genérica de escultura, e que não poderiam, sob pena do colapso completo do conceito, ser agrupadas em toda a sua heterogeneidade como tal (55). A questão parecia relativamente simples: reestruturar um determinado campo de acção, uma disciplina artística que parecia ter-se tornado lugar e instrumento para designar toda e qualquer obra de arte que envolvesse directa ou indirectamente as noções de tempo e espaço.
Na realidade, Krauss insurgia-se contra um historicismo latente que pretenderia justificar a existência do novo numa linha de continuidade com as formas do passado, resultando daí uma anulação das diferenças e até do seu carácter subversivo relativamente às normas (56). Mas este posicionamento revelava-se também algo contraditório, propondo em simultâneo uma aceitação da diferença e do novo e um reenquadramento instrumental dos limites gerados no interior da própria escultura. Tratava-se ainda de um campo, aberto e reconduzido em função da prática artística mas, contudo, ainda um instrumento de controlo do discurso (57).
A lógica da escultura seria então inseparável da lógica do monumento (58). Essa função — representar/simbolizar algo e marcar/definir um lugar — teria sido colocada em causa pelo nomadismo e pela autonomização objectual da escultura modernista e essa seria uma outra história da escultura, mais ligada ao declínio do monumento e à aterritorialidade do objecto (59). Contudo, a partir do final dos anos 50 esse modelo de autonomização mostrava-se já exausto e a uma certa recuperação da escala monumental e da relação com o lugar (mesmo se sob diferentes pressupostos) juntava-se "precisamente a dissolução do escultural enquanto tal"(60). Daí a necessidade de reestruturar o campo e repensar o modelo.

A escultura ter-se-ia tornado durante a década de sessenta uma combinação de exclusões —"uma situação de pura negatividade". Essa lógica da inversão (não-arquitectura; não-paisagem) teria por sua vez sofrido uma nova retroversão transformando essa mesma negatividade numa polaridade positiva (integração da arquitectura e da paisagem). Daí o campo expandido de possibilidades, obrigando a repensar o conjunto das categorias estéticas ocidentais e a aceitar o reposicionamento da escultura nessa estrutura (61). Para isso, Krauss faz a defesa das características próprias da escultura e, logo, das distinções possíveis em relação às outras categorias que propõe:



A escultura aparece assim como "apenas um termo na periferia de um campo onde há outras possibilidades diferentemente estruturadas", organizadas em volta de um esquema algo rígido e que cede à tentação de procurar classificar para assim escapar ao referido desfazamento entre o discurso da história da arte e a prática artística. E de qualquer modo, este esquema acaba também por se encontrar fechado nessa mesma rigidez. Excessivamente marcado por um pensamento estruturalista (63), limita-se a libertar um conjunto de fenómenos artísticos do termo escultura para de imediato os delimitar novamente por outros termos. O campo acaba por não ser colocado verdadeiramente em causa , podendo-se até pensar em última análise que Rosalind Krauss, ao mostrar receio pelo estilhaçar do modelo escultural, não está assim tão distante quanto isso do pensamento de um Greenberg.
A impossibilidade de definir a prática a que chama pós-moderna em função de um determinado medium — aqui, a escultura — mas antes em "relação com as operações lógicas num dado conjunto de termos culturais" (64) que resulta desta proposta, fecha o círculo iniciado com a referência a Allan Kaprow e à sua crítica, ainda incipiente, à pureza e autonomia das disciplinas artísticas tradicionais.
Na realidade, esta abertura ao mundo, esta contaminação da arte por factores que lhe são aparentemente exógenos, acaba por se constituir, parafraseando Kaprow, como a alquimia de muitos dos mais interessantes desenvolvimentos da arte das últimas décadas. Aquilo que eu procurei apresentar aqui é apenas uma parte dessa história, reveladora de um empreendimento que é hoje imperativamente actual: a aproximação entre a arte e a vida, entre a arte e o mundo ao qual a obra tem de pertencer.

Sem um grande desvio pode-se pois identificar este campo expandido da escultura com o modelo extra-escultural que me serviu aqui de instrumento metodológico e conceptual. Aliás, o campo aberto do escultural que o esquema de Rosalid Krauss propõe não é mais do que o redesenhar dos limites disciplinares, alargando assim as possibilidades instrumentais do controlo do discurso e mostra-se extremamente útil quando se trata de discutir o interior e o exterior possível da escultura. Devemos atender, é certo, à particularidade da discussão de Krauss, demasiado centrada num modelo e numa prática artística essencialmente norte-americana, e que se exclui à partida da pluralidade de desafios que o escultural vinha sofrendo, muito em especial na Europa (65).
Todavia, é importante sublinhar que Sculpture in the Expanded Field nunca teria surgido se a prática artística não se revelasse tão escorregadia quando se trata de procurar instrumentos de classificação e controlo, e, nessa medida, é também um exercício exemplar de readaptação da teoria à prática.

Notas:

(1) Ver AREAL, António, Tópicos bastante confessionais de caixas vazias de objectos, in António Areal: Primeira Retrospectiva, Porto, Fundação de Serralves, 1990, pp. 113-114.
(2) BRONZE, Francisco, Exposições, in Colóquio, nº54, Lisboa, F.C.G., Junho de 1969, p. 35: "Dez caixas de dimensões idênticas, uniformemente pintadas de cinzento e fechadas por um vidro que não se opõe à transparência do interior vazio. Porque, se algumas das caixas guardam ainda certas formas (inquietantes sempre, na sua extrema simplicidade), pequenas esferas ou alvos e outras figuras pictoricamente simuladas — outras dessas caixas apresentam-se inteiramente vazias, numa verdadeira situação-limite."
(3) Ibid.
(4) Sobre essas mesmas caixas escrevia, em 1969, Ernesto de Sousa: "Mas eram verdadeiramente vazias as caixas de António Areal? Fotografei-as uma a uma e copiei-lhes os títulos, atentamente. Tudo lá está, ausente. E até o que noutras circunstâncias se poderia chamar uma poética: isto é, uma caixa tendo à volta o espaço da Galeria Quadrante... Letal poética da solidão (SOUSA, Ernesto, Uma imensa solidão, in Opção, 13/7/1978).
(5) Cf. AREAL, António, idem, p. 114: "Sendo assim, uma proposta directa de meditação, esses títulos [...] propõem meramente esta simples complexidade: exercícios espirituais. Porque a experiência estética [...] já não é bastante, e talvez nem seja intencionada por estas obras. Outro nível de vivência é testemunhado, como inquietação, como preocupação, como finalidade, como presença, que abrangerá porventura o terreno sobre o qual se poderá identificar a possibilidade de instauração metafísica. "
(6) BRONZE, Francisco, Exposições de arte, in Colóquio, nº45, Lisboa, F.C.G., Outubro de 1967, p. 30.
(7) O mesmo Francisco Bronze (Areal na Galeria Quadrante, in Vida Mundial, Lisboa, 9 de Maio de 1969) levanta sérias dúvidas relativamente à atitude de António Areal: "Qual a oportunidade, o sentido de eficácia que poderá realmente ter aqui e agora a provocação de Areal?" Esta questão está indelevelmente ligada à discussão a que se aludiu no primeiro capítulo sobre a morte das vanguardas. Isso fica claro se recorrermos a uma outra passagem da crítica publicada na Vida Mundial: "[...]se o espectador é alguém prevenido, pensa logo com os seus botões e sem surpresa: «Bom, é o Areal e a sua provocaçãozinha dadaísta».
"Porque não há dúvida: o primeiro Dada imunizou-nos contra a provocação, e J. Augusto França tem razão quando diz que estamos vacinados contra a surpresa. Não se provoca duas vezes do mesmo modo [sublinhado meu]."
(8) KAPROW,Allan, The Legacy of Jackson Pollock, in Essays on the Blurring of Art and Life, Berkley, University of California Press, 1996, pp. 1-9 (orig. Publ. in Art News 57, nº6, 1958, pp.24-26 e 55-57).
(9) Ibid. p. 2.
(10) Ibid. p. 5.
(11) Ibid.
(12) Cf. Ibid. pp. 5-6.
(13) A título de exemplo, poderão ainda ser referidos alguns textos de Robert Morris que fazem igualmente essa recuperação da figura de Pollock, mesmo sabendo-se que geracionalmente representam já um grupo posterior ao de Kaprow: Anti Form (in Art Forum, vol.6, nº8, April 1968, pp. 33-35) e Some Notes on the fenomenology of making: The Search for the Motivated (in Art Forum, vol.8, nº8, April 1970, pp. 62-66), ambos reunidos in MORRIS, Robert, Continuous Project Altered Daily: The Writings of Robert Morris, Cambridge, Massachusetts, The MIT Press, 1993.
(14) Ver CRIMP, Douglas, The End of Painting, in On The Museum's Ruins, Cambridge, Massachusetts,The MIT Press, 1993, p. 99.
(15) KAPROW,Allan, ibid., p. 9.
(16) Esta designação resulta também de uma apropriação, devedora como é do excelente texto de Benjamin Buchloh, Construire (l'histoire de) la sculpture (in Qu'est-ce que la sculpture moderne?, Paris, Centre Georges Pompidou, 1986, pp. 254-274).
(17) FRIED, Michael, Art and Objecthood, in HARRISON, Charles e WOOD, Paul (ed.), Art in Theory, 1900-1990; Oxford, Blackwell, 1992, pp. 822-834 (orig. publ. in Artforum, Summer 1967).
(18) KRAUSS, Rosalind,Sculpture in the Expanded Field, in FOSTER, Hal (ed.), The Anti-Aesthetic, Essays on Postmodern Culture, Seattle, Washington, Bay Press, 1983, pp. 31-42 (orig. publ. in October nº8, Spring 1979).
(19) FOSTER, Hal, The Return of the Real: The Avant-Garde at the End of the Century, Cambridge, Massachusetts, The MIT Press, 1996, p. 53.
(20) Cf. FRIED, Michael, idem, pp. 822-823.
(21) Ibid.
(22) JUDD, Donald , Specific Objects, in HARRISON, Charles e WOOD (ed.), op. cit., pp. 809-813 (orig. publ. in Arts Year Book, 8 New York, 1965, pp. 74-82).
(23) MORRIS, Robert, Notes on Sculpture parts1-2-3, in Continuous Project Altered Daily: The Writings of Robert Morris, The MIT Press, Cambridge, Massachusetts, 1993, pp. 1-32 (orig. publ. in Artforum entre Fevereiro de 1966 e Junho de 1967).
(24) Ver FOUCAULT, Michel, A ordem do discurso, trad. de Laura F. de Almeida Sampaio, Lisboa, Relógio d'Água, 1997.
(25) Ver FRIED, Michael, idem, pp. 823-824.
(26) FRIED, Michael, idem, p. 824.
(27) GREENBERG, Clement, Recentness of Sculpture, in BATTOCK, Gregory, Minimal Art: A Critical Anthology, Berkley, University of California Press, 1995, pp. 180-186 (orig. publ. in American Sculpture of the Sixties, Los Angeles County Museum of Art, 1967).
(28) Ibid., p. 182.
(29) Cf. ibid., p. 183-184.
(30) FRIED, Michael, idem, p. 825.
(31) Ibid.
(32) Ver MORRIS, Robert, idem, p. 11-21.
(33) FRIED, Michael, idem, p. 831.
(34) LESSING,Gotthold E., Laocoön: an Essay on the Limits of Painting and Poetry, Baltimore and London, The Jonh Hopkins Un. Press, 1984 (orig. publ. em 1766).
(35) Não por acaso, a edição americana do texto de Lessing tem como prefaciador o próprio Michael Fried.
(36) Ver o último parágrafo do texto de Fried: "We are all literalists most or all of our lives. Presenteness is Grace" (ibid. p. 832).
(37) Na realidade, um dos principais caminhos da vanguarda aponta exactamente para uma tentativa de atingir um determinado sincretismo entre as artes, uma contaminação capaz de violar as regras estabelecidas, fazendo daí surgir algo de novo. Todavia, há também todo um outro fluxo, não negligenciável, que aponta em sentido inverso: para uma mítica da pureza encarnada em cada medium artístico. As aporias a que me refiro inclinam-se pois para o primeiro dos pontos de vista, o que não quer dizer que não transportem consigo uma ideia do mito da pureza, muitas vezes entendida como um retorno a um estado originário, ao zero [ver POGGILOLI, Renato, The Theory of Avant-garde, Cambridge, Massachusetts, Belknap/ Harvard, 1997; pp. 199-204, [orig publ em 1962)].
(38) FOUCAULT, Michel, A Ordem do Discurso, trad. de Laura F. de Almeida Sampaio, Lisboa, Relógio d'Água, 1997.
(39) Ibid. , p. 18-28.
(40) Ibid. , p. 24.
(41) BOURDIEU, Pierre, As regras da arte - Génese e estrutura do campo literário, trad. de Miguel Serras Pereira, Lisboa, Editorial Presença, 1996 (ed. orig. 1992), p. 258.
(42) Ibid.
(43) BUCHLOH, Benjamin H. D., op. cit
(44) Buchloch contesta pois a possibilidade de se realizar uma história distinta daquela a que ele chama escultura construída e das práticas mais convencionais da criação escultural. Segundo B. é necessário perder a noção de um fio condutor inquebrável entre algumas inovações magistrais que levariam de um Picasso a um Anthony Caro, rementendo para um plano distinto e não interpenetrável os desafios ao modelo normativo. O que B. esboça é então um exame cuidado dos "compromissos e laços indissoluvéis" desses desvios com o modelo escultural, já que, apesar de tudo, continuam a desenvolver-se a partir desse horizonte constituitivo (ver ibid., pp. 255-256)
(45) GREENBERG, Clement, Towards a Newer Laocoön, in HARRISON, Charles e WOOD, Paul, Art in Theory, 1900-1990; Oxford, Blackwell, 1992, pp. 554-560 (orig. publ. in Partisan Review, VII, nº4, New York, July-August 1940, pp. 296-310).
(46) Ibid. , p. 555.
(47) Apesar de longa, julgo ser importante transcrever aqui uma passagem do texto Modernist Painting, de Clement Greenberg (in FRASCISNA, Francis e HARRIS, Jonathan, Art in Modern Culture: An Anthology of Critical Texts, London, Phaidon Press, 1992, pp. 308-314): The arts could save themselves from this levelling down only by demonstrating that the kind of experience they provided was valuable in its own rigth and not to be obtained from any other kind of activity.
Each art, it turned out, had to perform this demonstrtaion on its own account. What had to be exhibited was not only that which is unique and irreductible in art in general. Each art had to determine, through its own operations and works, the effects exclusive to itself. By doing so it would, to be sure, narrow its area of competene, but at the same time it would make it possession of that area all the more certain.
It quickly emerged that the unique and proper area of competence of each art coincided with all that was unique in the nature of its medium. [...] Thus would each art be rendered 'pure', and in its 'purity' find the guarantee of its standards of quality as well of its independance." (pp. 308-309)
(48) Ibid. , p. 558.
(49) Greenberg afirma que a escultura "emphasizes the resistance of its material to the efforts of the artist to ply into shapes uncharacteristic of stone, metal, wood, etc." e que estaria presa a uma existência física no mundo tridimensional, enquanto que, em oposição, a pintura estaria inexoravelmente ligada à bidimensionalidade do suporte e à natureza da linguagem possível nesse espaço limitado , mas ambas dependentes da instantaneidade da recepção (Ver op. cit, p. 558).
(50) KRAUSS, Rosalind E., Passages in Modern Sculpture, Cambridge, Massachusetts The MIT Press, 1990 (edit. orig. em 1977).
(51) Haveria outras questões interessantes a analisar aqui no que respeita à procura de uma natureza própria da escultura e ao papel do modernismo na fixação das fronteiras disciplinares. Estou a lembrar-me, por exemplo, da dicotomia Monumento/Anti-Monumento proposta pela mesma Rosalind Krauss num texto publicado em 1986 (KRAUSS,Rosalind, Échelle/monumentalité; Modernisme/postmodernisme; La ruse de Brancusi, in Qu'est-ce que la sculpture moderne?, Paris, Centre Georges Pompidou, 1986, pp. 246-253). De qualquer modo, os horizontes definidos previamente para este trabalho não permitem uma tão grande dispersão sob risco de uma descaracterização desses mesmos propósitos.
(52) KRAUSS, Rosalind E., Passages in Modern Sculpture, p. 5.
(53) FOULCAULT, Michel, idem, p. 28.
(54) Ibid.
(55) Krauss, Rosalind, Sculpture in the Expanded Field, p. 31.
(56) Ibid., pp. 31-32.
(57) Como Foster já tinha intuído, num texto de 1982: "[…] the work is freed from the term «sculpture»… but only to be bound by other terms, «landscape», «architecture», etc.. Thougth no longer defined in one code, practice remains within a field. Decentered, it is recentered: the field is (precisely) «expanded» rather than «deconstructed»" FOSTER, Hal, Re: Post, in_WALLIS, Brian, Art After Modernism: Rethinking Representation, New York, The New Museum of Contemporary Art 1984, p. 195.
(58) Uma leitura que viria mais tarde a ser desenvolvida mais extensamente por Rosalind Krauss. Para esta questão, um bom complemento será o seu texto Échelle/monumentalité; Modernisme/postmodernisme; La ruse de Brancusi, já referido na nota 150.
(59) Ibid. pp. 247-248.
(60) ibid. p. 253.
(61) KRAUSS, Rosalind, Sculpture in the Expanded Field, pp. 36-38.
(62) Basta ver esta passagem no final do texto: "I have been insisting that the expanded field of postmodernism occurs at a specific moment in the recent history of art. It is a historical event with a determinant structure". E a rematar todo o texto, ao referir-se ao tipo de trabalho que procurou levar a cabo: "It pressupposes the acceptance of definitive ruptures and the possibility of looking at historical process from the point of view of logical structure" (ibid. p 42).
(63) Ver FOSTER, Hal, Re: Post, in WALLIS, Brian, Art After Modernism: Rethinking Representation, New York, The New Museum of Contemporary Art 1984, pp. 194-196. E passo a citar uma parte do texto: "[...] the work is freed from the term «sculpture»... but only to be bound by other terms, «landscape», «architecture», etc. Though no longer defined by one code, practice remains within a field. Decentered, it is recentered: the field is (precisely) «expanded» rather than «deconstructed». The model for this field is a structuralist one [...]" (p. 195).
(64) ibid., p. 41.
(65) Não posso evitar, até por razões de justiça aos acontecimentos, deixar aqui uma nota final relativa à excessiva americanização da discussão. Toda a análise que desenvolvi ao longo deste capítulo parte de uma colocação das questões a partir de um ângulo que parece ignorar os importantes desenvolvimentos e contributos provenientes deste lado do Atlântico, mas se esse facto denota, por um lado, uma relativa parcialidade, acaba igualmente por recordar o quanto se alteraram os pólos de atracção no campo da arte após a IIª Guerra Mundial. De qualquer modo, parece-me razoável assinalar aqui uma outra face desta história (talvez não tão diferente quanto isso), para o que me irei socorrer das propostas da exposição Gravity and Grace - The Changing Condition of Sculpture 1965-1975 (Hayward Gallery, London, 1993), onde se pretendeu fazer uma recensão dos importantes factos acontecidos num periodo que é em grande parte sobreponível com os horizontes temporais deste mesmo trabalho.
No primeiro texto do catálogo, Jon Thompson (New times, new thoughts, new sculpture, pp. 11-34) oferece uma leitura desses acontecimentos que desvia o centro das atenções de uma excessiva americanização, procurando assim evitar o efeito de ofuscamento que de outro modo se evidenciaria. Sendo a sua intenção declarada iluminar "the transition which took place in 1960s, when minimalism gave way to the Post- Minimalist tendency in America and Europe" (p. 11), Thompson recorda de imediato que as relações entre a América e a Europa estavam nesse período, até no campo estritamente político, bastante tensas e que isso teve uma necessária correspondência nos cruzamentos estéticos entre os dois continentes. Daí que Thompson julgue necessário repor alguns factos e redesenhar o mapa desses anos no que respeita à condição mutante da escultura. Mas, logo após estas considerações (que fez acompanhar de exemplos inequívocos) o texto passa a ser construído com recurso a um conjunto de autores de referência que se aproximam muito daqueles que eu utilizei para este capítulo. A saber: Greenberg, Krauss, Fried, Morris, Judd (...), escapando talvez Umberto Eco a este rol. Ou seja, Thompson viu-se confrontado com a inevitabilidade de recorrer a referências essencialmente americanas quando se tratou de analisar o discurso crítico sobre as mutações a que pretendia aludir, o que não invalidando a necessidade de se proceder a uma reavaliação do papel "europeu" neste contexto particular, pode ajudar a justificar as opções tomadas na construção desta comunicação.

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