O cinema nunca mais foi o mesmo desde que, em 1960, estreou a primeira longa metragem de Jean-Luc Godard, A BOUT DE SOUFFLE / O ACOSSADO. “Hoje sabemos que nada ficou igual. ‘À Bout de Souffle’, como ‘The Birth of a Nation’ de Griffith ou o ‘Citizen Kane’ de Orson Welles, deixou o cinema diferente, há um antes e há um depois”, escreveu o crítico e programador da Cinemateca, Luís Miguel Oliveira (Público, 4.3.2011). E concluía: “[o filme que foi] o momento decisivo de Godard foi também um momento decisivo no cinema e nas artes do século XX.”
“Triunfo a todos os títulos, crítico e público”, A BOUT DE SOUFFLE / O ACOSSADO, marca o regresso das Terças-feiras Clássicas do Teatro do Campo Alegre, a 31 de Maio, com o ciclo CINQ FOIS GODARD – LES ANNÉES 60, em que serão exibidos cinco filmes seminais do realizador, todos dos anos 60, uma década que atravessou “como uma verdadeira ‘pop star’” (ib). Seguir-se-ão LE MÉPRIS / O DESPREZO, a 7 de Junho, PIERROT LE FOU / PEDRO, O LOUCO, a 14, MASCULIN FÉMININ / MASCULINO FEMININO a 21, e 2 OU 3 CHOSES QUE JE SAIS D’ELLE / 2 OU 3 COISAS SOBRE ELA, a 28.
Teatro do Campo Alegre
Terças-feiras Clássicas do Teatro do campo Alegre
Bilhetes > 3,50 euros
CINQ FOIS GODARD – LES ANNÉES 60
31 Maio, 22h
O ACOSSADO / À BOUT DE SOUFFLE
um filme de Jean-Luc Godard
com Jean Seberg, Jean-Paul Belmondo, Jean-Luc Godard, André S. Labarthe
França, 1960
«Como é que começa aqui uma obra? Porque, trinta anos depois e mais de quarenta filmes passados, sabemos que começou aqui uma obra.
Sabemos também que, de algum modo, essa obra vem do cinema americano. Mas é esse o modo que importa ver e rever. Se A Bout de Souffle cita explicitamente o espaço do filme negro, procurando confirmá-lo ou ampliá-lo, se o filme negro começa por ser uma arquitectura de olhares e desejos que tendem a encerrar-se no fascínio guardado da sua própria lógica (hoje apenas visível, quer dizer, filmável, na medida em que é possível abri-la para outras lógicas, nomeadamente a da escrita: recorde-se Hammett, de Wim Wenders), se, enfim, tudo isso trabalha para uma sedução do espectador que radica na sua exterioridade em relação ao dispositivo que lhe é oferecido como espectáculo, se tudo isso é verdade, então A Bout de Souffle começa por ser um filme negro rasgado na sua evidência mais clássica.
E é a fissura do(s) olhar(es) que o perturba desde o início. No primeiro plano do filme, Michel/Belmondo diz: Après tout, je suis con. Après tout, si… il le faut. Il faut. Mas ele não é ainda um olhar, nem mesmo um corpo: e a um jornal com uma pin-up que temos direito. O jornal baixa e ele parece olhar-nos pelo canto do olho, distante, porventura desconfiado. No último plano, Patricia/Seberg, depois de escutar as palavras finais de Michel vira-se claramente para nós e pergunta: Qu’est-ce que c’est: dégueulasse?
Este mundo a que, por hora e meia, chamamos filme está, portanto, de princípio a fim, marcado pela singularidade do seu trajecto (de olhares).»
Jean-Luc Godard (catálogo da Cinemateca Portuguesa, 1985)
7 Junho, 22h
O DESPREZO / LE MÉPRIS
um filme de Jean-Luc Godard
com Brigitte Bardot, Michel Piccoli, Jack Palance, Fritz Lang, Jean-Luc Godard
França, 1963
«Sejam quais forem os títulos que Godard vá acrescentando à sua filmografia, Le Mépris parece destinado a permanecer como uma referência dominante na primeira fase da sua obra, digamos a que termina em Pierrot le Fou. E é fácil perceber porquê: se, desde À Bout de Souffle, era óbvio que o seu trabalho integrava referências diversas ao universo do cinema, em especial do cinema americano, é com Le Mépris que Godard coloca directamente em cena o cinema no trabalho. E pertencem já a um certo universo mítico da cinefilia confirmada pela Nova Vaga personagens como Camille e Paul, o par assumido por Bardot e Piccoli, e sobretudo o cineasta Fritz Lang interpretado pelo próprio.»
Jean-Luc Godard (catálogo da Cinemateca Portuguesa, 1985)
14 Junho, 22h
PEDRO, O LOUCO / PIERROT LE FOU
um filme de Jean-Luc Godard
com Jean-Paul Belmondo, Anna Karina , Samuel Fuller
França, 1965
«Para muita gente, a relação com Godard começou em Pierrot le Fou. No caso português, por exemplo, este foi o primeiro filme de longa-metragem a cá chegar, tendo sido necessário esperar cinco anos para ver o segundo (À Bout de Souffle, em 1970) Talvez por isso, a imagem de Godar-poeta-anarquizante-das-formas é, ainda hoje, tão intensa e tão corrente. Porque ele filmava aqui o desespero caótico de um herói condenado ao patético de uma morte desastrada – as palavras de Federico Garcia Lorca surgem, aqui, desqualificadas do fundo histórico que as gerou: Ah! Quelles terribles cinq heures du soir! Le sang, je ne veux pás le voir! – julgou-se e transmitiu-se muitas vezes a ideia de que Godard vivia ( e os seus filmes com ele) da habilidade mais ou menos provocatória de baralhar os dados comuns da comunicação em cinema, servindo-os em novos arranjos mais ou menos circunstanciais e arbitrários.
Ora, se é evidente que Pierrot le Fou participa de uma imensa vontade libertadora em relação aos códigos mais agressivos de estandardização da comunicação, importa sublinhar o que nele é sempre rigor de elaboração, quer dizer, inviolabilidade dos arranjos formais, mesmo (ou sobretudo) no interior da mais delirante criatividade formal.»
Jean-Luc Godard (catálogo da Cinemateca Portuguesa, 1985)
21 Junho, 22h
MASCULINO FEMININO / MASCULIN FÉMININ
um filme de Jean-Luc Godard
com Jean-Pierre Léaud, Chantal Goya, Marlène Jobert ; Brigitte Bardot, Françoise Hardy
França, 1966
« Vê-se Léaud neste filme, meio dominador meio dominado numa história de triângulos ou quadrados de amores não correspondidos, e é como se Godard inventasse, não um duplo ou uma projecção sua, mas um “amigo”, um amigo cinematográfico, alguém com quem se pudesse relacionar. A escolha de Jean-Pierre Léaud, no seu primeiro filme com Godard [tinha tido apenas uma pequena aparição em “Pierrot le Fou”] sugere-o bem: Léaud era Antoine Doinel, o “amigo cinematográfico” de Truffaut.
Apesar do seu “modo sociológico” perfeitamente declarado (é neste filme que está a célebre tirada sobre os “filhos de Marx e da Coca Cola”) “Masculino Feminino” não envelheceu uma ruga e hoje, se possível, é ainda melhor do que era em 1966.»
Luís Miguel Oliveira, Público
28 Junho, 22h
2 OU 3 COISAS SOBRE ELA / 2 OU 3 CHOSES QUE JE SAIS D’ELLE
um filme de Jean-Luc Godard
com Marina Vlady, Anny Duperay, Claude Miller
França, 1967
«Se, uns anos mais tarde, com os filmes do Grupo Dziga Vertov, Godard enfrentou a consequência política extrema destas dúvidas – como dizer eu historicamente? – pode considerar-se que Deux ou trois Choses que je sais d’elle é o momento em que se atravessa um estado incontornável no acesso àquela pergunta: o da decomposição da personagem cinematográfica. Pode invocar-se que, desde muito cedo, o cinema de Godard é isso mesmo, quer dizer, um processo em que o estatuto clássico de personagem vai sendo ferido pelas mais diversas ficções. Neste caso, no entanto, esse processo cristaliza numa forma singular: alguém (Juliette, por exemplo) que já não vemos como simples efeito de identidade fictícia (aliás, em dois planos do início, a voz off, precisamente, vai citá-la como Mariana Vlady e Juliette Janson) frente a uma voz que, por assim dizer, ainda não é personagem.»
Jean-Luc Godard (catálogo da Cinemateca Portuguesa, 1985)
RESERVA DE BILHETES POR TELEFONE: Teatro do Campo Alegre 22 606 30 00
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