Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo. (…).”

Manoel de Barros

Como proposta para o trabalho final, pretendo abordar a utilização do som e da palavra como parte do processo na produção da imagem.

Partindo de uma pesquisa sobre o fotógrafo esloveno Evgen Bavcar, que cego, utiliza dentre outras técnicas, o som como guia para a execução de seu trabalho fotográfico, começa-se aqui um estudo da utilização do som e da palavra nesse processo. Som esse que se perde e que não é visto nem ouvido no resultado final, mas que estava lá enquanto mecanismo de composição, enquanto estrutura, e que comprova que a imagem nunca foi um fenômeno apenas visual, mas sim um estimulante para a descoberta e desenvolvimento dos outros sentidos. Olhar com as mãos, boca, nariz e ouvidos, a metáfora do terceiro olho.

É com o “terceiro olho” que Evgen Bavcar compõe sua fotografia e dá propriedade substancial à sua produção artística. Originado na relação “eu – mundo” através da representação e percepção há uma retomada do passado e conseqüentemente uma concomitante expansão para o futuro, inserida no “instante agora” no presente fotografado. Contudo, essa retomada não trata apenas de uma recordação, de uma memória ou um quadro do passado, mas sim a expressão de um universo híbrido transmutado e incorporado na percepção.

A fotografia que não pode ser vista no plano físico, mas pode ser vista no imaginário, no mundo das idéias, através da descrição, da palavra, do som. A idealização da imagem, de uma realidade que pode não ser real para quem enxerga, mas é real para quem percebe, para quem sente. A imagem que se forma e que transcende a incapacidade, que busca se reconstruir através da memória, do som e da palavra, e que se torna viva como passado e história, que vive no registro de algo muito maior, de algo que sentimos e que é alcançável somente através da lembrança. No documentário “Janela da Alma” (2002) de Fernando Meireles, Evgen Bavcar coloca:

Para mim, a linguagem e imagem estão ligadas, isto é, o verbo é cego, mas é o verbo que torna visível. Sendo cego, o verbo torna visível, cria imagens… graças ao verbo, temos as imagens. Atualmente, as imagens se criam por si mesmas, deixaram de ser o resultado do verbo (…). É preciso que haja um equilíbrio entre verbo e imagem. Por exemplo, Michelangelo não viu Moisés! Ele não foi segui-lo no Monte Sinai. Não viu como o Decálogo foi lançado sobre o bezerro de ouro. Mas leu o texto. (Janela da Alma, 2002)

De acordo com Bavcar a história humana nos mostra que somos ao mesmo tempo nós mesmos e os outros, os quais, como nós, vivem das realidades múltiplas, visíveis e invisíveis, percebidas e não percebidas, sabidas e ignoradas.

A (des) concentração/ Domina, invade/ E é só nisso que eu penso/ Lembrança que perturba e que acaricia/ Macia, aconchegante/ Não penso em mais nada/ E é só nisso que eu penso/ Cada fio de pêlo e cabelo/ Respira/ Buon Giorno/ Nada acontece, tudo já aconteceu/ Compro uma passagem aérea/ Construo minhas próprias imagens/ Falsas ou verdadeiras memórias/ Fotografias imaginárias.

 

Referências bibliográficas

 

BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.

BAVCAR, Evgen. A luz e o cego. In: NOVAES, Adauto (org.). Artepensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

BAVCAR, Evgen. Corpo: espelho partido da história. In: NOVAES, Adauto. Homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

BAVCAR, Evgen. Vídeo: Comments by Evgen Bavcar. Disponível em: <http://zonezero.com/exposiciones/fotografos/bavcar/index.html> Acesso em: 17 Abr 2011.

JANELA DA ALMA. Direção de João Jardim e Walter Carvalho. Produção de Flávio R. Tambellini. Rio de Janeiro: Copacabana Filmes, 2002. 1 DVD (73min), son., color. 2004.

NAVES, Maira Allucham S. G, MASIERO, André Luís. A produção de sentidos na arte fotográfica de Evgen Bavcar. Disponível em: <http://www.ip.usp.br/laboratorios/lapa/versaoportugues/2c40a.pdf> Acesso em: 25 Abr 2011.

SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

ZAPPI, Lucrecia. Face a face com Bavcar. Disponível em: <http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1644,1.shl> Acesso em: 20 Abr 2011.


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Comments ( 1 Comment )

Há um caso parecido, embora relacionado com a audição, o da percursionista surda Evelyn Glennie que tem tocado com músicos como Bjork, Bobby McFerry e outros. Gosto especialmente do álbum Sugar Factory que ela fez com o guitarrista Fred Frith. Podes vê-los a improvisar no youtube e, se quiseres, eu tenho o CD e posso copiá-lo: http://www.youtube.com/watch?v=-X8v2q4wThA

Ela não gosta muito que se fale da sua surdez porque não a acha relevante para o seu trabalho, na medida em que a audição é apenas a forma como sentimos as vibrações acústicas e não é uma função exclusiva do ouvido. Por exemplo, o ouvido não capta baixas frequências que podem ser sentidas por outros orgãos do corpo humano.

Vale a pena ler o seu Hearing Essay em que ela responde aqueles que insistem em incluir a surdez na crítica ao seu trabalho: http://www.evelyn.co.uk/hearing_essay.aspx

E tens também uma TedTalk: http://www.ted.com/talks/evelyn_glennie_shows_how_to_listen.html

francisco_laranjeira added these pithy words on May 01 11 at 20:25

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