Identidades: Variáveis Convergentes | Miguel Leal

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Miguel Leal
n.1967
Economia (Pequeno Diário)

Um funâmbulo, de andar trôpego, onde a queda se adivinha já iminente; uma sapatilha de cordões atados; manchas que se assemelham a colunas de fumo ou conjuntos de pedras; outra a um ânus; um avião; objectos que vulgarmente poderíamos designar como corriqueiros; uma paisagem na qual se ergue uma árvore enviesada; uma imagem do letreiro do banco de investimentos norte-americano “Lehman Brothers”, no interior da Christie’s (onde já foi leiloado pelo menos duas vezes). Estas imagens, de um conjunto de onze desenhos, partilham o espaço do atelier de Abel Salazar com quatro antigos cadernos de registo “Deve | Haver”. Divididos por duas vitrines que atravessam longitudinalmente o espaço, os cadernos livres ainda de qualquer tipo de anotação, estão abertos revelando o mesmo suporte utilizado nos desenhos.

Dispersos sobre uma parede, os desenhos ocupam as velhas molduras da Casa-Museu dos anos 60/70 – já plenamente reformadas – onde figuravam as obras de Abel Salazar. Representando este último um pormenor pouco evidente para quem ignora os meandros do museu – com toda a rede de histórias e peças ocultas ou arquivadas –, não será contudo indiferente o seu reconhecimento na avaliação global da proposta.


“Economia (Pequeno Diário)” poderá ser compreendida através da sua aparente diversidade nas imagens e na utilização de materiais obsoletos – que perderam o seu sentido primeiro de utilidade. Tal como o sinal metálico do banco – que deixando a sua função informativa adquiriu valor de mercado – a distância que separa a indiferença do uso comum de uma valorização cultural ou económica está exclusivamente dependente de relações simbólicas. 


Ergue-se assim o mercado económico, ávido nas suas mãos suadas pela circulação da moeda, enquanto factor determinante na tradução de um valor. Proclamando-se representação de uma vontade geral, centralizando os seus critérios flutuantes e a sua vontade caprichosa, formou-se mecanismo vivo de difícil previsão, procurando fazer depender da sua especulação e das relações duais de procura/oferta todo o exercício de valoração.


Talvez hoje a grande dificuldade resida na separação dos termos, na indefinição das fronteiras. Esta distinção semântica foi afinal o que permitiu a Oscar Wilde (à distância de um pouco mais de um século) formular o famoso aforismo: “as pessoas hoje conhecem o preço de tudo e o valor de nada”.

João Sousa Pinto
Dezembro 2015