Radionovelas: o som e a imagem mental
Tomamos o som, a imagem e os resultados da sua combinação como uma verdade adquirida, capaz de representar outras realidades que não a nossa. O cinema é o meio ideal para que o som e a imagem convirjam de modo a levarem o espectador numa viagem imersiva e, consequentemente, repleto de experiências sensoriais e sensacionais. No entanto, essa verdade “imutável” que tomamos como nossa actualmente, nem sempre existiu. Volvendo ao início do século XX, altura em que se deram os primeiros passos para a evolução da tecnologia como hoje a conhecemos.
Aparte dos livros, das peças de teatro, das tertúlias nos cafés ou das primeiras projecções cinematográficas, a rádio era a rainha do entretenimento. Tendo um rádio em casa, qualquer um podia (e ainda pode) escutar as notícias, música ou as famosas radionovelas. Ora é precisamente neste último ponto que me pretendo focar.
— (história da radionovela) —
Até que ponto é que um suporte meramente sonoro pode constituir um elemento completamente imersivo e influenciar de tal maneira os ouvintes a que estes alterem os seus comportamentos e atitudes? A adaptação da obra “A Guerra dos Mundos” e sua posterior adaptação é o exemplo perfeito. Posto no ar a partir de um estúdio nova-iorquino em 1938, contando com a narração de Orson Welles, simulou uma data de notícias e eventos que levavam os ouvintes a especular sob uma possível invasão extraterrestre na cidade de Nova Jérsia, nos Estados Unidos da América. Pensando no Mundo de 1938, as pressões e traumas pós-guerra e os novos tumultos e agitações que anunciavam uma Segunda Grande Guerra, era fácil levar os ouvintes à paranóia da especulação. Enquanto Welles narrava as primeiras linhas do guião, a maioria da audiência estava atenta a um outro programa numa outra estação. Quando esse programa de sucesso terminou, a narrativa de Welles e do staff de “Mercury Theatre on the Air” continuava e intensificava no momento em que os ouvintes passaram para essa estação, contribuindo para a confusão e desconhecimento dos factos. Obviamente que uma série de coincidências ajudaram ao despoletar da confusão e incerteza. Em Washington, por exemplo, uma empresa de energia presenciou um curto-circuito no edifício que fez com que as linhas telefónicas e a electricidade fossem cortadas. Escusado será dizer que as pessoas estavam então impedidas de comunicar com os seus familiares.
Contudo, a comunicação social hiperbolizou o drama e insegurança sentidos pela população norte-americana. Aparentemente o caos não foi tão dramático como o contado nos jornais, mas mesmo assim Orson Welles teve que apresentar as suas desculpas e a CBS foi obrigada a assinar um termo em como prometia não voltar a usar a frase “Interrompemos este programa” para anunciar eventos enganosos.
Este episódio foi re-adaptado e re-emitido noutros anos e noutros pontos do país e do mundo, sempre com algum mínimo de reacção por parte dos ouvintes. Supomos que um simples relato sonoro pode constituir um perigo ainda maior do que um relato/narrativa com som e imagem. O ouvinte agarra-se ao som porque é a única fonte de conhecimento a que tem acesso. Enquanto que a imagem contribui para uma análise mais factual dos acontecimentos, sem ela a mente humana divaga facilmente. Os nossos olhos não nos mostram nada, pelo que não há outro caminho senão o de nos regermos pela audição. E a imagem mental é um caminho com pedras.
Bibliografia | Webgrafia
Chion, Michel: “The Screaming Point”
Benjamin, Walter: “Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política”
Freud, Sigmund: “Psicopatologia da Vida Quotidiana”
–
http://www.irdp.co.uk/radiodrama.htm
http://www.longwharf.org/sister-george-history-radio
http://radiofonia.com.sapo.pt/index.html
http://www.guardian.co.uk/tv-and-radio/radio-drama
Emissão “A Guerra dos Mundos”, 1938
http://www.youtube.com/watch?v=Xs0K4ApWl4g