Como foi referido em algumas das aulas de Som e Imagem, a combinação do som e da imagem no cinema pode ter a capacidade de representar, recriar ou sugerir alucinações. Mas quando essa representação em 2º grau é trazida para 1º plano, saindo da tela, quando essa união é exercida como processo físico e não apenas apreensível pela sua racionalização, essa sugestão pode também passar a ser física. Em alguns rituais xamãnicos e voodoos dá-se um fenómeno denominado por tercei ritmo, um ritmo que surge da combinação dedois ritmos diferentes e que existe não sendo nem um nem outro, sendo esse o ritmo potenciador da entrada no transe, ou seja, aquele que por ser indefinido lhes abre as portas da percepção.
Já na Origem da Tragédia, Nietzsche refere como o coro potencia as imagens criadas em palco, imagens essas não desumanizadas mas despersonificadas (com o recorrer por exemplo ao uso de máscaras) e como, sendo as imagens absorvidas por impressão (ou ilusão talvez?) e a música por impregnação, a combinação das duas formas constitui uma experiência que ultrapassa o reduto da definição particular das duas grandes áreas – imagem e som – e que ao fazê-lo está também a aproximar a arte e o ser humano do fenómeno de criação original, ou se quisermos dizer da natureza como mãe, criadora e destruidora em quantidades semelhantes.
É nessa sinestesia de estímulos despersonalizados que o ser humano se desliga de si próprio, de si como indivíduo particular e, livre do estigma do eu consegue deslocar-se para um plano muitas vezes indefinível em comunhão plena com a acção que decorre.
Regressando, apesar de nunca ter saído, à questão do potenciamento e do transe, é fácil reparar como essa situação se mostra também visível nos actuais espectáculos de música electrónica onde a combinação de ritmos frequentemente repetitivos e circulares com a projecção de imagens ou os efeitos e controlo da iluminação conseguem produzir um efeito semelhante ao da hipnose (potenciados também frequentemente pela utilização de drogas alteradoras da percepção).
É de reparar também a aproximação da arte visual, principalmente da arte abstracta com a música, e a sua semelhança como forma de produção de “objectos” não representativos – a tentativa de criação na acepção real da palavra.
Num nível secundário, os videoclips também tentam traduzir essa espécie de hipnose ou de terceira imagem mas como forma de sedução comercial. Para vender a música como imagem associar a imagem à música, o que permite que se crie uma terceira imagem – mental – uma impressão sobre aquilo que é a combinação produtor/produto.
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