Mon oncle apresenta-se como uma obra de extrema riqueza visual, e com uma forte relação imagem/som. É algo imediato, não se necessita de qualquer análise para o compreender.
O que pretendo fazer é analisar algumas cenas, que a meu ver transmitem aquilo que prentendo explorar: como a ausência da “linguagem falada” permite a outras, normalmente menos exploradas, crescerem e oferecem ao espectador tanta ou mais informação que receberiamos pela fala.
Os sons da cidade, das pessoas e personagens, e das maquinas, quer domésticas quer indústriais, através deles conseguimos construir imagens, situações, caracterizar as personagens etc.
A história desenvolve-se, e com ela começamos um processo de acumulação de informação enriquecido pela forte presença do som.
Interessa-me a forma como a história é construída em torno do som, e de como ele afecta o dia-a-dia das personagens. Mr. Hulot abre a janela, ele e nós escutamos o piar de um pássaro – ainda ausente na imagem, mas já lá através do som.Sempre que o sol batia na gaiola o pássaro piava. Só vemos o pássaro ao fim de algumas tentativas de acertar com o reflexo do sol na gaiola, e a informação que já tinhamos sobre o pássaro e a sua possível localização aumenta pela mudança da camara para trás de Mr. Hulot, por onde assistimos ao fim da tentativa, com sucesso.
Outro momento é quando a irmã e o cunhado de Mr. Hulot se preparam de manhã, e devido ao som das maquinas domésticas que usam (máquina de barbear, e fogão) é-lhes impossivel ouvir o que o outro está a dizer, contudo eles continuam o seu discurso. Nós não ouvimos e a personagem também não.
Há também o contraste entre os sons sistemáticos, sempre iguais, (o mesmo som usado para diferentes aparelhos), presentes em todos os aparelhos electrónicos na casa e na fábrica que contrastam com os sons ricos e variados quer dos assobios, quer do som ambiente na praça da velha paris.
Nos primeiros momentos do filme, depois da cena do pássaro inicia-se um música, tendo como som de fundo as vozes das crianças na praça, mas a música continua a acompanhar a acção sempre que se passa no sítio onde mora Mr. Hulot, ouvindo-se sempre as pessoas que habitam o espaço – diferente do que acontece em casa dos Arpel com os aparelhos domésticos. Até ao momento da chamada telefónica do escritório da fábrica para a cabine telefónica na praça, pensamos que o som surgue na montagem do filme, e que apenas existe para nós, espectadores, mas a chamada telefónica mostra que isso não é verdade : assim que faz a chamada telefónica, através do auricular do telefone ouvimos o som da praça, e a música está presente – a música ganha assim uma nova dimensão, ela habita o espaço.
O que pretendo explorar de forma mais intensiva é este tipo de relação, o valor do som, dos vários sons, que enriquecem a história, e o pouco destaque dado aos diálogos, sendo alguns deles apenas sons onde a palavra não é perceptível (a vizinha do casal Arpel, entre outros personagens). Quero ainda realçar a linguagem corporal, ainda não referenciada, mas é uma das linguagens não falada, que é importante para complementar a ausência de diálogo. Mr. Hulot é uma personagem que oferece-nos imensa informação só pela forma como ele se comporta nos espaços, sem recorrer ao diálogo.