Neste trabalho pretendo abordar a importância que o som (a música especificamente) teve para o desenvolvimento da linguagem abstrata. A proposta visa uma contextualização histórica, social e cultural das primeiras décadas do século XX, a importância da Música para o Expressionismo de Wassily Kandinsky e a sua contribuição para o desenvolvimento da linguagem abstrata, utilizando como objecto de estudo a sua série de obras intituladas Composição.
No início do século XX surgiram diversas vanguardas, descendentes dos movimentos Impressionistas, Neo-Impressionistas e Pós-impressionistas, que partilhavam o ideal de ruptura de conceitos e valores estéticos do passado. As vanguardas tinham como tema a radical originalidade e como regra a ruptura. Privilegiando uma via de experimentalismo, os artistas da vanguarda tiveram um estímulo provocado pela autonomia da sociedade e pelas evoluções e marcos históricos da época. A Primeira Guerra Mundial foi o acontecimento mais significativo deste período, contudo outros acabaram por ser igualmente importantes, tais como as descobertas na área da ciência e as evoluções na área dos transportes; na área da tecnologia e da comunicação: o telefone, o rádio, a televisão, o cinema e a imprensa foram cruciais nesta viragem quer para a sociedade, quer para os artistas que acompanhavam estas inovações; culturalmente surge a música jazz e uma série de movimentos artísticos e literários que vieram revolucionar a arte do século XX.
Durante as três primeiras décadas do século, na Alemanha, surgem ideias de ruptura que se caracterizavam por uma pintura mais intensa, por vezes dramática, emocional e sensacional. Mais do que representar o mundo exterior, a pintura devia expressar os sentimentos mais profundos, através de cores intensas, formas violentas, pinceladas bruscas, enchendo a pintura de energia, vida e expressão. O Expressionismo começava, então, a tornar-se uma interpretação da relação do homem com o mundo, onde o artista a torna expressiva, sensível e comunicativa. Wassily Kandinsky é um dos pioneiros deste movimento, também marcado pela consciência da situação sócio-política e pela perda de valores. Assim, procurou na sua obra a recuperação das necessidades interiores do artista. Direcionado a uma arte não-figurativa, pintou as primeiras obras abstractas, atribuindo significado aos elementos gráficos da expressão plástica e organizando as suas composições através de analogias com a música. Na verdade, Kandinsky acreditava que a música era o único meio capaz de alcançar o espiritual do indivíduo, considerava-a a pura abstração. Desta forma, organizava as suas composições como se fossem peças musicais, utilizando elementos e cores que se aproximam às características da música.
A música serviu de inspiração para os artistas abstratos, isto porque os compositores musicais conseguiam transportar os seus ouvintes para outros mundos sem necessitarem de uma representação visual do real. O pintor teve fortes ligações com esta área: assistia regularmente a óperas, era amigo do compositor austríaco Arnold Schonberg, músico expressionista. Da mesma forma que Schonberg conseguiu fazer com que os sons permanecessem dissonantes rejeitando as estruturas convencionais que davam um significado à composição, Kandinsky o fez na sua arte. Ao ver a abstração natural da música, o pintor russo tomou consciência que a pintura também o podia ser, conseguindo desta forma atingir diretamente o espiritual mais intimo do observador – como é exemplo a sua série de obras intituladas Composição.
Pintados entre as décadas de 10 e de 30, Kandinsky elaborou 10 quadros de grandes dimensões, onde explorava os novos conceitos da arte abstrata e onde se pode encontrar uma forte ligação com a música. De facto, encontra-se este paralelismo quando pensamos nas suas obras como sendo energeticamente criativas, caracterizadas por uma narrativa fugaz e flutuante, envoltas num caos de cor e formas. As figuras indefinidas expressam várias mensagens que procuram encontrar o um novo fôlego ao espiritual, não apenas na arte, mas também na vida. Por exemplo, o amarelo-escuro traduz uma grande conotação musical, o rosa associa-se à voz de soprano, as formas aproximam-se a instrumentos musicais. As composições são feitas do interior para o exterior, concentrando os elementos cruciais que o artista pretendeu pintar no centro de cada pintura, explodindo naturalmente por toda a obra. Ritmo, espontaneidade e dinamismo são palavras de ordem, e assim representava a sua obra – de certo modo, podemos considerar que a própria composição musical tem igualmente estas como característica.
Wassily Kandinsky viu na música a chave que a arte necessitava para responder às necessidades que acreditava faltar à sociedade. Para o efeito, a sua obra indica uma relação muito próxima da Imagem e do Som, podendo considerar que o pintor procurou atribuir à pintura e à cor a plasticidade que encontrava na música e no som.
Bibliografia:
Vários, Arte – Grande Enciclopédia, Livraria Civilização Editora, 2009.
KANDINSKY, Wassily, Do Espiritual na Arte, Publicações D. Quixote, 1912.
NUNES, Paulo Simões, História da Cultura e das Artes – 11º ano, Lisboa Editora, 2010.
Internet:
João Santos, lap09053