Nesta proposta pretendo focar-me no papel sonoro e pictórico das palavras a partir do poema “Sea”, de Jack Kerouac.

O poema é uma experiência que culminou da catarse narrativa de “Big Sur”, escrita autobiográfica do autor e da sua luta constante entre a sua espiritualidade e o seu vício do álcool.

Kerouac foi um dos pioneiros do grupo Beat dos anos 50 e 60. O seu manifesto defende a escrita como um ser primitivo e intuitivo – musical

“be alone sometimes remember

to breathe – like a jazz musician

breathe confess and sing yourself”

A escrita de Jack Kerouac é um infinito ir a algum lado, retornar, ir de novo e voltar novamente; o seu raciocínio temperamental reflecte-se na rapidez com que carregou nos botões da sua máquina de escrever.

Em “Sea” lemos um doloroso lutar na tentativa de capturar em texto os diálogos alucinatórios que travou com os sons do Oceano Pacífico durante o seu retiro solitário em Big Sur, no Verão de 1960.

As palavras escolhidas variam: o mar tanto engole frases e conjuntos de palavras que relembram textos fragmentados, como cospe onomatopeias; Kerouac cria dinamismo utilizando o valor sonoro mental da linguagem. As palavras são objectos de atenção visual e sonora: possuem uma “aura” auto-referencial, no sentido em que lhes atribuimos, mentalmente, sons e imagens específicas por conhecermos de memória as interligações da forma do código linguístico.

Os diálogos com o elemento água são um tema que se vai repetindo ao longo da vida de Kerouac, como no recentemente publicado “The Sea is My Brother”, escrito com os seus 20 anos.

Já em 1952 escrevia a John Clellon Holmes:

 “hey John, I’m talkin to the river, dig me talkin to the river and lettin you listen, like opening the stops very fast in a terrific good saxophone and now, at last, I announce to you, I’ve become a tenor man, an alto man, excuse, alto man, on Neal c-melody alto I been learning every since the wild visions of musical pure truth I got on peotl (talk about your technicolor visions!) I blew like mad all my first day and but now, and now, I blow, a few weeks later, with perfect Stan Getz pearly tones and never miss the note itself, usually miss the note, but the key is there, the wild heartbreaking soft harmonic hint of all our hong song hearts, the central pit and prune juice of poor old Jazz, mind you, pit and prunejuice,(…)”

É visível um constante interesse em transportar para a escrita as experiências sensoriais que o mar traz a Kerouac: as palavras são uma ferramenta sinestésica.

A estrutura de “Sea” mantém uma sensibilidade pictórica que evoca o mar; podemos sentir o texto “crescer” ou “diminuir” em picos de intensidade ou suaves nuances. O poema desenha um gesto que lembra a solitude da contemplação do sublime mexer das ondas e a respiração do vento, trazendo Kerouac à superfície do horror espiritual na sua batalha contra os seus vícios e a civilização.

 

Bibliografia (até agora):

 

KEROUAC, Jack, The Big Sur

CHARTES, Ann (editor), Excerpts from Jack Kerouac – Selected Letters, 1940-1956


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