Charles Chaplin a resistência criativa ao Cinema Sonoro.
- Serão as imagens capazes de despertar sons?
- O que é que transforma o cinema em algo significativo, algo que transcende a própria realidade e nos projecta em mundos novos?
- O cinema deverá “Educar”, isto é, deverá ser um cinema que nos provoque não só emoções mas nos obrigue a pensar e a questionar o mundo?
- A percepção sonora no Cinema: será ver com os ouvidos e ouvir com todos os outros sentidos?
De acordo com João Mário Grilo, os sons dos primórdios do cinema mudo eram constituídos por tudo, menos por palavras. Eram compostos pelo ruído do projector e pela música que surgia como pano de fundo – melodias de piano, orquestrações, canto – que acompanhavam, habitualmente, cada sessão. Por fim, os ruídos da sala que integravam o todo estético; atitude diametralmente oposta à que hoje impera nos nossos cinemas-estúdio, onde o silêncio é sagrado.
O cinema mudo dispensava a fala para se expressar, em parte porque a música tocada pelos pianistas nas salas de cinema o preenchia. As imagens eram organizadas para demonstrarem ritmo, dinamismo, paixão, medo, sofrimento, terror, alegria, amor; sugerir um ambiente calmo e bucólico ou transmitir os sons e a vida de uma cidade.
Charles Chaplin, recusara, em 1927, a chegada do som à industria cinematográfica. Desde a criação da personagem Carlitos e a sua primeira aparição no filme “Corrida de Automóveis para Meninos”, os seus filmes cumpriram uma função comunicativa e ética. Para Chaplin o cinema deveria continuar mudo; a voz destruiria a “imaginação” e mataria a voz interior que o cineasta queria despertar na subjetividade de cada espectador. A pantomima atinge, com Chaplin, um elevado grau estético; desloca o espectador do seu mundo circundante e convida-o à reflexão dos problemas do mundo. A poesia percorre a sua obra no diálogo subtil entre a imagem, a música, a intencionalidade, a denúncia política e social.
O cinema mudo produzia sons, os quais eram reconhecidos através do estímulo visual e da nossa memória auditiva, demonstrando que nem tudo precisa ser sonorizado para ser ouvido. O cinema mudo captou o sentimento humano; a profunda expressividade das emoções, traduzidas no gesto e na expressão facial.
Carlitos, o vagabundo da obra de Charles Chaplin, com um corpo desajeitado; um corpo que “o ultrapassa a si mesmo, a cada gesto, a cada passo” faz dele próprio uma constante metamorfose, um corpo que se reinventa; manifestando “formas inesperadas de ser”, criando um novo corpo original; genuinamente seu.
Neste espaço cénico, o corpo é elevado; é uma “ferramenta única” evidenciada ao nosso olhar; transmuta-se em objecto estético capaz de transformar a miséria na sua maior riqueza.
Estas possibilidades de resistência e de criação expandem-se como novos modos de sentir, de pensar e de estar, onde a vida se conquista como espaço de liberdade e de recusa da servidão.
Carlitos, o vagabundo, leva-nos até à emoção, ao riso, às lágrimas, ao confronto com uma realidade que nos obriga a pensar o homem, a sua condição e o sentido do progresso.
Alguns exemplos como “Luzes da Cidade” e “Tempos Modernos”: o corpo de Carlitos tem uma expressividade única, através de movimentos repetitivos e desengonçados. O corpo magro transbordante de emoções: o sorriso cúmplice, os olhos negros e tristes, o andar hesitante. O seu rosto, combinado com todos os outros membros, demonstra um vasto leque de emoções. Os membros inferiores sempre prontos a surpreender, fugir, espreitar, simular: o corpo é um constante jogo. Mas o elemento mais importante são as mãos que expõem o grande acontecimento da pantomina, mostrando uma incrível originalidade num universo infinitamente expressivo, e é deste modo que Chaplin vai retardando a chegada do sonoro às suas obras.
Bibliografia:
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Referencias electrónicas:
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Penafria, M. (2003). Ouvir imagens e ver sons. Biblioteca On-Line de ciências da Comunicação – BOCC. Acedido em 30 de Abril de 2012, em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/_texto.php?html2=penafria_som_e_doc.html
Portal São Francisco, “Charlie Chaplin”. Acedido em 29 de Abril de 2012, em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/charles-chaplin/charles-chaplin-1.php
Pedro Mesquita