Parece ser mais “fácil” a nossa adaptação quando o cinema nos oferece um processo de sincronização entre o som e a imagem, quando a um corpo corresponde uma voz, quando vemos a movimentação labial que projeta sons. O cinema sonoro foi capaz de trazer, à procura de um maior realismo. Mas quando temos em contra ponto cineastas como Tati e Godard, que nos foram capazes de oferecer outra plasticidade sonora. Talvez seja este o caminho que queria tomar para o meu texto, quando o cinema produz voz sem corpo ou um corpo sem voz.

Já as primeiras imagens em movimento, parecem desde cedo a viver dos métodos de montagem para criar uma variação rica em ritmo, em pulsão e em variações de composição, como exemplo o cinema soviético soube tão bem explorar, numa montagem “vertical” como numa sequência musical em melodias particulares em que a fragmentação das imagens oferecem plasticamente na construção do filme, podemos ter essa perceção dos vários ritmos criados pela montagem no filme “O homem da câmara de filmar” do Dziga Vertov. Com a chegada do cinema “sonoro” o espaço/tempo que o filme sempre trabalhou para lá da nossa realidade espacial e temporal, parece poder catapultar para um fora de campo que a imagem por si só é incapaz de proceder, pois a imagem dá mostras de estar agarrada a um quadro espaço/temporal, preso a um espaço limitado pelo enquadramento que oferece as formas, o movimento e a luz, que parece incapaz de oferecer novas coordenas. Essas imagens parecem revelar com a ajuda de uma trilha sonora um conjunto infinito de novas possibilidades para potenciar esse dentro de campo que a imagem para um fora de campo onde pode deambular com imensa facilidade o som pois sendo este imaterial.

Parece-me por mais evidente que este fora de campo está bem presente no Ambition do Hal Hartley quando o protagonista está a discutir as suas ideias com um corpo masculino sem voz mas que se movimenta e gesticula ferverosamente contra o discurso proferido pela personagem principal, durante este discurso vai-se ouvindo cada vez mais alto ou melhor cada vez mais percetível um grupo de vozes que se manifesta lá fora. E eis que somos projetados para um novo cenário, um fora de campo que está dentro de campo. Mas somos empurrados logo de seguida para uma perseguição em câmara lenta que ocorre duas vezes seguida enquanto ouvimos uma voz feminina sem corpo em contraponto a esse corpo masculino sem voz. Mas eis que mais uma vez o realizador resolve logo de seguida que esse corpo masculino que na cena anterior não tinha voz que ganhasse uma.

Mas que magia é esta que o cinema é capaz de operar na nossa perceção, um corpo que se movimenta, mas que não fala? Vozes sem corpo?

Bibliografia

Chion, Michel (1990),  L’Audio-vision,  Éditions Nathan , Paris

João Mário Grilo, in “As lições do cinema: Manual de filmologia”, Lisboa, Edições Colibri, 2007

 


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